Fonte: Jornal de Angola (29/01/2023)
Famílias do Curoca apostam na produção em pequenas hortas
Domingos Calucipa
Um conjunto de projectos em curso no município do Curoca, província do Cunene, baseados na criação de pequenas lavras comunitárias irrigadas por via de furos artesianos, implementados pelo programa FRESAN (Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola), está a transformar a vida de centenas de famílias camponesas da circunscrição, há largos anos privadas do cultivo por escassez de chuvas.
Trata-se da implementação de um dos nove projectos virados para as áreas da agricultura, águas e nutrição em curso na província do Cunene, orçados em cerca de 12 milhões de euros e financiados pela União Europeia. Segundo Juan Molina, coordenador adjunto do FRESAN no Cunene, a União Europeia está a financiar o programa com 65 milhões de euros para o período que vai de 2018 a 2024.
O responsável disse que o FRESAN, uma iniciativa do Governo angolano, e co-gerido pelo Instituto Camões-Cooperação Portuguesa, surge com a finalidade de reduzir a fome, a pobreza e a vulnerabilidade das comunidades afectadas pela seca do Sul do país, nomeadamente das províncias do Cunene, Huíla e Namibe, por via do reforço da resiliência e produção agrícola familiar sustentável, da melhoria da situação nutricional das famílias e apoio ao desenvolvimento de capacidades das instituições.
Na província do Cunene o programa tem as suas atenções viradas para os municípios de Ombadja, Cuvelai, Cahama, Cuanhama e Curoca. Mas é neste último onde a nossa reportagem foi constatar as acções que estão a transformar a vida de muitos habitantes que há mais de doze anos não conseguem lançar as sementes de cereais a terra por falta de chuvas.
É a pensar na constante ausência de chuvas e falta de colheitas, que colocam todo tempo as comunidades locais em grave situação de vulnerabilidade, que o FRESAN tem vindo a trabalhar na recuperação de vários furos de água e na criação de pequenas lavras comunitárias para a produção de alimentos sem depender das quedas pluviais.
No município do Curoca o programa tem criadas cinco lavras nas localidades de Waru, Canuno, Maine, Erola e Elavolimwe, envolvendo perto de 350 famílias camponesas das comunidades étnicas mundimbas, Muhakavonas e mungambwes, cujos resultados começaram a ser sentidos em 2021.
Juan Molina disse que dos nove projectos para a província, quatro começaram a ser executados em 2020, com termino este ano, e os restantes cinco arrancaram em 2022 com fim em 2024. O Jornal de Angola visitou os campos comunitários de Waru e Kanuno, a cerca de 15 e dez quilómetros da sede municipal, e observou o entusiasmo e envolvimento dos beneficiados no pequeno espaço de cultivo de aproximadamente meio hectare, com plantação de milho, batata-doce, abobora e algumas fruteiras, como mamoeiros, mangueiras, irrigado por sistema de gota a gota.
Resultados animam camponeses
Na lavra comunitária do Waru fomos recebidos com cânticos e animação pelo grupo de camponeses, uma demostração entendida como o desejo de boas vindas aos visitantes. O grupo está organizado, tem um coordenador de campo, vice-coordenador, um secretario, um tesoureiro, um conselheiro e um chefe de produção.
Mas foi Alberto Muhepatchi, conselheiro do grupo, que nos levou a visitar o pequeno campo a dentro, de cerca de meio hectare, para mostrar a nova experiência que está a transformar a vida de dezenas de famílias, até há pouco tempo sem soluções para conter a fome e a seca, esta ultima que vitimou boa parte do gado.
Alberto Muhepatchi, da etnia mungambwe, profere elogios à iniciativa de levar para a sua localidade um projecto produtivo que, embora limitado, está a ajudar na alimentação das famílias, que todo o tempo depende de ajudas.
“Os senhores do projecto nos encontraram aqui um dia e perguntaram-nos o que nós queríamos, daí respondemos que o nosso problema é a fome. Depois de nos explicarem o que pretendiam fazer na nossa localidade ficamos muito contentes”, contou Muhepatchi, que também participou na reabilitação do sistema de água, na construção do tanque reservatório e nas escavações para a extensão da tubagem.
Serenamente mostra-nos todos os cantos da lavra, no memento ainda com poucas culturas, onde se via aboboras, alguns milheiros salteados e plantação de batata-doce. Mas afirma que a produção é permanente.
Conta que a lavra tem dado bons resultados, cuja produção é distribuída aos membros associados, onde quem mais trabalha mais produtos recebe. Recentemente foram colhidos tomate, cebola, couve e bastante milho, que serviu para o consumo e outra parte vendida. O dinheiro, como revelou o responsável, tem servido para a compra de sementes e cobrir outras necessidades.
Famílias acreditam em colheitas bem conseguidas
A implementação de pequenas lavras comunitárias irrigadas é a única esperança dos habitantes do Curoca para o seu sustento, que há muitos anos não conseguem cultivar por causa da ausência das chuvas, considerou Popilwa ya Kaluyevi, um dos responsáveis do campo comunitário de Kanuno, outro espaço visitado.
Segundo Popilwa, a pequena lavra da localidade, criada há dois anos, tornou-se o lugar de concentração da comunidade, por entenderem que sem chuvas só ali pode sair algo para comer, além de estar também a única fonte de água.
A pequena horta também tem estado a produzir vários bens, como milho, tomate, cebola e outras hortaliças que alimentam os membros associados. Mas tal como em Waru, em Kanuno há também problemas de insuficiência de água, o que impede o incremento do cultivo. O furo não produz água suficiente para abastecer tanto o campo como o gado e a população.
Em Kanuno a comunidade mostra-se animada com o projecto e pede mais acções do género para envolver mais famílias no cultivo, para reduzir a fome. “Nunca já cultivamos mais. Aqui hoje em dia só come quem tem cabrito, uma vez que pode vender para comprar comida”, atirou Kapatamua Muhonge, uma integrante da horta comunitária de Kanuno.
Furos de água
Em Waru e Kanuno o desafio começou com a reabilitação e aumento da capacidade de produção dos furos de água ali existentes (sendo cada localidade com um) pela organização não governamental ADPP, parceira do programa FRESAN na vertente de águas. E seguiu-se a limpeza de espaços adjacentes e transforma-los em lavras, um processo que envolveu as comunidades.
Duarte Cleófas Manuel, líder do projecto da ADPP de acesso a água para fins domésticos e agro-pecuários, disse que a sua organização tem a responsabilidade de reabilitar os pontos de água, enquanto a CODESPA, outra parceira do FRESAN, está a implementar a componente agrícola.
Antes da abertura das cinco hortas comunitárias, também denominadas escolas de campo, foram recuperados os furos de água, melhorado o espaço e ampliada a rede de distribuição, cujo fornecimento do líquido era bastante limitado.
Nos pontos foram colocadas novas bombas de água com mais capacidade de produção e construído um tanque de betão numa elevação com capacidade de armazenar 30 mil litros, contra o anterior plástico de cinco mil, que distribui o líquido por gravidade a horta, bebedouro de gado e torneiras para o consumo humano, incluindo uma canalização para o posto de saúde e a escola.
No trabalho foram envolvidos jovens locais, num sistema de comida pelo trabalho. “Com ajuda dos nossos técnicos, eles ergueram estas obras, isto é, os bebedouros, instalação das placas solares, a mudança das bombas, assim como a aplicação das tubagens de distribuição”, afirmou Duarte Manuel.
A filosofia desses projectos, explicou, é envolver jovens locais com técnicas, para que quando o projecto terminar a comunidade possa continuar com o cultivo e a gestão do sistema de produção e distribuição de água sem limitações. “O que queremos com o programa FRESAN é o fortalecimento da resiliência, fazer com que a comunidade olhe para si e diga que é capaz de ser o próprio autor do desenvolvimento”, frisou.
Um modelo de escolas da FAO
As hortas comunitárias que estão a ser implementadas em algumas zonas da província do Cunene são um modelo de escolas de campo do Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que são plataformas de inovação para o desenvolvimento rural, ao combinar a sabedoria local com as melhores práticas de agricultura disponíveis.
Conforme Adalberto Mapanda, técnico da CODESPA no Curoca, uma organização parceira do FRESAN virada para o treinamento, as escolas de campo vêm ser espaços de transformação dos sistemas alimentares, tornando a produção diversificada e mais rentável, em que os camponeses são os protagonistas.
Disse que o objectivo das escolas de campo, onde a produção é totalmente orgân ica, é incentivar os camponeses ao uso das melhores práticas agrícolas, que ajudem a variar as culturas e aumentar as colheitas.
O técnico da COD ESPA sublinhou que se pretende que no final dos projectos os camponeses tenham capacidades de dar continuidade às lavras comunitárias, assim como ambições de evoluir para cooperativas agrícolas, e daí conseguirem financiamento bancário.
Segundo Adalberto Mapanda, em todas as escolas de campo tem-se procurado diversificar as plantas e o cultivo, apostando mais nas fruteiras, como mangueiras, tangerineiras, mamoeiros, maracujeiras, limoeiros, moringa, a palmo-forrageira para o pasto do gado, o feijão guandu, milho e hortícolas.
Defendida multiplicação das hortas
O administrador municipal adjunto para o sector político, social e das comunidades do Curoca estimou a iniciativa de implementação de lavras comunitárias irrigadas no município, para quem é uma inovação que deve ser multiplicada para a inclusão de mais famílias no sistema produtivo.
Miguel Ngunga Tchitangua disse que para a efectivação desse desejo é necessário que se busque, através de financiamentos, outras fontes de água, uma vez que os poucos furos existentes não produzem líquido suficiente para irrigar grandes espaços.