Grandes projectos são feitos com grandes pessoas: consulte aqui as oportunidades.

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Entrevista | Francisco Alegre Duarte, Embaixador de Portugal em Angola

Fonte: Jornal de Angola (10/06/2022)

Portugal destaca cooperação no sector agro-alimentar

“A cooperação no sector agroalimentar é uma das prioridades entre Angola e Portugal”

Está nas funções há três meses, depois de apresentar as cartas credenciais, a 9 de Março deste ano, no Palácio Presidencial à Cidade Alta. Nas celebrações do 10 de Junho – “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades”, o embaixador de Portugal em Angola, Francisco Alegre Duarte, abordou nesta entrevista ao Jornal de Angola sobre o estado da cooperação entre os dois países e o que se espera no curto, médio e longo prazos.Com a alegria e simplicidade que lhe caracteriza e faz questão de reiterar ser a marca de portugueses, também falou sobre os vistos um assunto como disse o próprio “incontornável”, mas de solução prática, e é isso que garante, pois contactos foram feitos até aqui para que quem deseja visitar Portugal encontre menos dificuldades na solicitação do visto de entrada, fundamentalmente os de longa duração. Sobre os de curta estadia, o embaixador explica que há regras do espaço Schengen que devem ser observadasComo tem sido a vossa jornada diplomática desde que foi acreditado embaixador em Angola?Nestes três meses de funções , faço um balanço muito positivo. Tivemos o privilégio de estar t rês vezes com o Senhor Presidente da República de Angola, J oão Lourenço; várias vezes com o ministro das Relações Exteriores, Téte António, e também mantivemos já encontros com mais de 20 membros do Governo. Ainda neste curto espaço de t empo, hoje mesmo, 10 de Junho, recebemos o oitavo membro do Governo de Portugal de visita a Angola, isso desde a tomada de posse do novo Governo português.Ainda nestes curtos t rês meses, procurámos estar perto das comunidades e das empresas. Visitámos umas dezenas delas (cerca de 30) presentes em diferentes pontos de Angola. Só para lembrar que antes de regressar a Angola para esta nova missão ( pois já cá estive entre 2009 e 2012), trabalhei também em Timor Leste (1999), Nova Iorque (2003 – 2006), Itália (2012 – 2016) e, em Lisboa, onde era até cá regressar o conselheiro diplomático do Primeiro Ministro de Portugal.Até aqui foi tudo feito em Luanda ou também já conheceu outras províncias?Devo reconhecer, nestes primeiros meses, que é difícil sair de Luanda, pois há muita coisa a acontecer por aqui. Têm sido dias muito intensos, mas acompanhámos o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Cooperação, de Portugal, numa visita ao Sul, propriamente à Huíla e ao Namibe, onde está a ser desenvolvido o programa do FRESAN. Trata-se de um programa muito importante para o fortalecimento da resiliência, da segurança alimentar e nutricional e fortalecimento da agricultura familiar. Na verdade é um programa da União Europeia, mas cuja liderança e gestão cá em Angola foi delegada ao Instituto Camões. É uma iniciativa em que se investe 50 milhões de euros, o que desde logo denota a importância do programa.Porque fala de resiliência alimentar, qual vai ser o lugar da Agricultura na cooperação entre os dois países?Uma das áreas em que muitos queremos trabalhar é trazer investimento português para o sector agro-alimentar de Angola. Quando apresentei as minhas cartas credenciais, a 9 de Março, o Presidente João Lourenço lançou-nos o desafio de Portugal desempenhar um papel de liderança no processo de materialização da estratégia de diversificação da economia. Este é um grande desígnio, uma prioridade do Governo angolano.Desde logo, percebemos a abordagem estratégica desse assunto, porquanto o País vem de uma recessão nos últimos cinco anos e tem um crescimento demográfico muito grande; com a alta do preço do barril de petróleo as coisas melhoraram um pouco mais para Angola em termos de entrada de receitas, mas sabemos que a alta do petróleo é uma janela que mais tarde ou mais cedo tende a fechar-se, de modo que a diversificação económica é fundamental, além de que este processo também visa a criação de emprego e dar maior e melhores perspectivas a muitas pessoas.Por essa razão, temos estado a visitar as empresas portuguesas, fundamentalmente as que actuam fora das áreas tradicionais como são os casos da Construção e da Distribuição. Por esta razão, o sector agroalimentar é uma das prioridades nessa cooperação entre Portugal e Angola.O que é que podemos esperar para os próximos tempos em concreto?Depois desse período eleitoral, faz todo o sentido que assim o seja, o ministro da Economia de Portugal virá a Angola à frente de uma delegação de empresários e investidores de Portugal, e é essa mensagem que temos estado a passar ao ministro de Estado para a Coordenação Económica e também aos ministros da Economia e Planeamento; Energia e Águas; Recursos Minerais, Petróleo e Gás e outros. Há uma série de áreas que já identificámos e que vão merecer prioridade no reforço da cooperação salutar entre os nossos países.Há investimentos no domínio da energia?Ontem mesmo foi inaugurado no Moxico um projecto de electrificação de grande extensão do território angolana, cuja consignação está entregue a uma empresa portuguesa ( MCA). É um projecto muito importante e bastante estruturante. Para além desse, há também outros de instalação de centrais fotovoltaicas na Huíla e Benguela.Mas há outras áreas de interesse e de cooperação também, como a indústria farmacêutica e o turismo, que apesar de ser muito exigente e muito dependente de contextos, tem certamente um potencial formidável por ser explorado em várias vertentes (Litoral e Áreas mais densas como o Cuando Cubango na relação fronteiriça com Namíbia e Botswana). Angola tem tudo e ainda não temos muitos investidores portugueses da área do turismo a actuar cá. Logo, temos de criar as condições para que isso aconteça.Diante desse quadro como podemos então caracterizar a cooperação entre Angola e Portugal?A nossa cooperação é muito sólida. É, certamente, uma relação entre países e povos amigos. Acho que temos de densificar a relação mais em termos económicos. Depois desta tendência de perda, a relação das empresas portuguesas em parcerias com as angolanas caracteriza-se fortemente pelo seu entrosamento. Por essa razão temos muitas empresas portuguesas em Angola e também muitas participações angolanas nas empresas em Portugal. E, esse fluxo com dois sentidos é muito importante. Logo, actuando nessa direcção de diversificação económica, vamos criar emprego e riquezas em Angola e juntas, as empresas, podem também operar no mercado regional.Quantas empresas portuguesas estão em Angola?Quando apresentei as minhas cartas credenciais, a 9 de Março, o Presidente João Lourenço lançou-nos o desafio de Portugal desempenhar um papel de liderança no processo de materialização da estratégia de diversificação da economia em Angola, devem estar mais de 1.200 empresas portuguesas e mais de 5.000 exportam para cá.Quais as principais barreiras e de que s e queixam os empresários?As empresas usam do racional e de frieza na hora de decidir sobre os investimentos. Desde logo, é preciso reforçar a acção em áreas como a da segurança dos pagamentos, previsibilidade jurídica, redução da burocracia, a protecção dos investimentos etc etc… O Executivo angolano, sinceramente, tem feito muito para melhorar e evoluir rapidamente nestes quesitos. Tem-se feito um bom trabalho nesse domínio, com realce para as acções da ministra das Finanças. É um caminho que tem de ser reforçado. Cabe aos dois governos criarem as condições para que tal aconteça e fazer a ponte entre as empresas que queiram investir.Nesse particular, os investimentos de portugueses em Angola e de angolanos em Portugal estão seguros, já no quadro dos acordos assinados de protecção recíproca de investimentos e segurança jurídica?Para o caso das empresas portuguesas em Angola, começo por aí, houve um problema com a questão dos pagamentos. Têm sido feitos progressos relativamente à dívida certificada e uma grande percentagem (perto de 90 por cento) já foi paga, mas mantém-se o problema da dívida não certificada. É um processo em que temos vindo a dialogar com as autoridades angolanas, procurando também amparar as empresas portuguesas e nisso tem-se feito um bom caminho.Como digo, o meu objectivo, enquanto embaixador, é duplo, sendo reforçar as empresas portuguesas já em Angola que têm dado um enorme contributo e em momentos muito difíceis fizeram tudo para honraram os compromissos, manterem os empregos e, por outro lado, em relação às outras que queremos atrair, elas estão atentas à situação das que já cá estão. Portanto, é fundamental dar- se este sinal. Quanto ao mais, continuamos a ter participações angolanas muito importantes em empresas portuguesas e um caso paradigmático é do Millennium, na banca, e outras nas engenharias, como a Coba, por exemplo.Os processos na justiça não comprometem em nada a relação entre os dois países?Um dos nossos principais projectos de cooperação delegada aqui pela União Europeia é o da consolidação do Estado de Direito, numa iniciativa onde está cabimentado o apoio de 1 8 milhões de euros. Portugal é também um parceiro tradicional de Angola na formação de magistrados. Quanto ao resto, uma das visitas que efectuei neste período foi ao procurador-geral da República de Angola. A cooperação entre os países é fluída, decorre na maior normalidade e têm existido muitos avanços em várias matérias. Nesta matéria, há separação de poderes e, por isso mesmo, os casos que estão na justiça correm os seus trâmites normais. Mas, o que me apraz sublinhar, é que a cooperação faz-se em grande harmonia. E têm sido alcançados progressos eresultados concretos.O dinheiro ilícito tirado de Angola e colocado em Portugal vai regressar?Julgo que tem estado a regressar, mas quem está melhor colocado para fazer este balanço são mesmo as procuradorias e em particular a de Angola. Ao que se nota, a cooperação judiciária tem estado a correr com grande fluidez e entrosamento. Nisso, os governos não interferem.Por ser conhecedor de Angola, logo, podemos entender que domina os dossiers que se fazem necessários priorizar…Sim, evidentemente. Todavia, há também aqui questões pessoais. O meu pai esteve e foi preso em Angola e aqui também tenho até familiares e muitos amigos. A verdade é que as relações pessoais, de Estado para Estado e de povo para povo tornam-se tão densas e muito vastas, abarcando várias áreas como justiça, economia e na cultura. Nesse particular, até espero que já no quadro da mobilidade a categoria dos artistas seja contemplada, pois isso ajuda a fomentar o intercâmbio.Ainda assim, uma área que tenciono acarinhar é a da Defesa, onde já temos uma velha cooperação também. Interessa- me, na área da Defesa, a formação de oficiais, comandos e fuzileiros, mas a de maior potencial é a da Marinha de Guerra, isso porque Angola tem um grande foco na segurança terrestre, mas por possuir uma longa costa marítima, o país precisa proteger os recursos e consolidar-se como potência regional.Desde logo, pode afirmar-se como uma potência marítima, com um papel importante a desempenhar no Atlântico Sul e no Golfo da Guiné. Creio que a Marinha Portuguesa pode ter um papel importante a desempenhar nesse quadro, fundamentalmente na capacitação dos militares. Passo a passo, Angola tem de ter uma guarda costeira para proteger os recursos e depois avançar para os navios de patrulha oceânicos e como sabe os marinheiros fazem-se navegando. É no mar onde são formados os marinheiros. Esta é uma área de grande futuro.Voltando à questão da mobilidade, Portugal tem sido dos que mais incentiva a melhoria e avanços no espaço CPLP. Como andamos nesse tema mesmo?A mobilidade é um dos elementos centrais da nossa relação. Como embaixador costumo ouvir muitas queixas a respeito do funcionamento dos nossos consulados. A verdade é que se está sob grande pressão. A questão dos vistos é sempre problemática. Dizer que o Consulado de Portugal em Luanda é o maior em termos de emissão de vistos de toda a nossa rede consular. Até hoje, só nesse ano, foram já emitidos cerca de 10.300 vistos, o que representa em relação ao período homólogo do ano passado um aumento próximo dos 800 por cento.Veio cá o ministro dos Negócios Estrangeiros, também o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e, todos foram ver o Consulado e a VFS, o centro de processamento de vistos, que faz parte de uma multinacional indiana, e estamos a trabalhar no reforço dos recursos humanos e também no tocante às questões tecnológicas.Na verdade, há um açambarcamento dos agendamentos e, por vezes, de forma abusiva por parte também de algumas agências. Há uma utilização abusiva das plataformas de agendamentos. No quadro da melhoria do atendimento, após reuniões mantidas com a VFS, acordou-se que irá ser implementada uma taxa para o pagamento dos agendamentos, pois acredita-se que assim vai-se reduzir as não comparências. Numa perspectiva mais global, acho que o acordo de mobilidade é um marco da CPLP.E sobre os vistos propriamente, o que se lhe oferece dizer?No tocante aos vistos, notar que em relação aos vistos de curta duração, conhecidos como Schengen, estamos um pouco amarrados, pois actuamos sob um conjunto de regras da União Europeia. O acordo de mobilidade vai agir em relação aos vistos de longa duração, naquelas categorias que forem definidas pelos países signatários. Foi por isso que falei dos artistas, anteriormente, por exemplo. A verdade é que os países vão definir as categorias e havendo mais vistos de longa duração, vai- se reduzir alguma pressão. Agora, o problema também não é só do nosso lado.De cá, também ouço reclamações. Agora que estamos a sair da pandemia e queremos aprofundar e dar ímpeto à retoma económica, é preciso facilitar-se a vida das empresas. As empresas portuguesas que cá estão e que têm feito um esforço muito grande para a angolanização, ainda assim, também precisam, de quando em vez, de reforços pontuais e, às vezes, também há alguma lentidão. O que podemos garantir é que tudo isso tem sido falado entre os dois governos. Estamos empenhados para que a mobilidade seja cada vez mais fluída, pois sem ela é difícil que o resto aconteça.Da mobilidade também fica dependente a afirmação das comunidades?Claro. Amanhã (hoje) é o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. É um dia sentido de forma muito especial pelos portugueses que estão fora. É um dia de saudade. Os portugueses que estão fora são uma irradiação de Portugal, afinal, eles também são embaixadores de Portugal. A comunidade portuguesa em Angola tem se afirmado com grande esforço, determinação e empenho, trabalhando ladoa-lado com os angolanos para o desenvolvimento e prosperidade do país.Nenhuma outra comunidade tem o nível de entrosamento que os portugueses têm em Angola. Houve um decréscimo em termos de presença quando comparado ao outro período em que cá estive, mas temos ainda uma comunidade muito importante. Se contarmos os binacionais (detentores de passaportes angolanos e portugueses), estamos acima dos 100 mil. Se for exclusivamente só portugueses, abaixo dos 20 mil. A razão da diminuição é o longo período de recessão que se reflectiu na vida das empresas e das pessoas que aqui estavam.O senhor prometeu fazer de jardineiro nessa relação de amizade…Sim. A amizade não pode ser dada como adquirida. Ela cultiva-se. Temos de estar juntos. A família mesmo quando não cultivada, não deixa de ser a sua família, mas a amizade, esta precisa ser cultivada. É nessa base que disse que faria de uma espécie de “jardineiro-diplomático”.Em Angola, devem estar mais de 1.200 empresas portuguesas e mais de 5.000 exportam para cá.Porque até falamos de comunidades, faltará passar por Benguela?Ainda não fui a Benguela, mas em breve, muito em breve mesmo, essa intenção deverá concretizar-se.A cooperação cultural e a desportiva também vai estar no centro da sua liderança?Claramente. Espero que, em breve, consigamos realizar um amistoso em futebol entre as nossas selecções principais aqui em Luanda. Vamos e estamos a trabalhar nesse sentido. O desporto tem o seu lugar na cooperação entre os nossos países e há muitas referências. Tanto assim é que quando apresentei as minhas cartas credenciais, fiz questão de oferecer ao senhor Presidente da República de Angola uma camisola da selecção de Portugal autografada e dedicada pelo Cristiano Ronaldo.Culturalmente, a ligação é muito forte pela língua. Há grandes escritores angolanos como Pepetela. Há duas datas importantes que se aproximam e que estão interligadas, os 50 anos da independência de Angola e os 50 anos do 25 de Abril, e creio que há uma vontade comum de assinalar devidamente estas efemérides, sob o signo da amizade entre os nossos povos.