Fonte: Sapo (04/05/2022)
A ECA Twepwila, fundada em 2021 e apoiada pelo programa Fortalecimento da Resiliência e Segurança Alimentar e Nutricional em Angola (FRESAN), é uma delas.
Ali trabalham 25 mulheres da aldeia de Tchiango, ali aprendem como mitigar a fome, recorrendo a técnicas agrícolas pouco sofisticadas e de fácil aplicação que lhes permitem melhorar a produção de alimentos.
Desde a escolha das sementes, ao tipo de produto e à forma como se cultiva, enriquecimento do solo com fertilizantes naturais, combate às pragas com inseticidas caseiros feitos com um “mix” de plantas locais, várias são as técnicas que se ensinam nesta escola, onde os camponeses aprendem também o que não devem fazer, evitando, por exemplo, as queimadas descontroladas.
Nesta comunidade mumuíla, que habita a cerca de 30 quilómetros do Lubango, capital da província da Huíla, cerca de 50 pessoas, sobretudo mulheres e crianças, juntaram-se hoje para dar as boas-vindas aos visitantes com cânticos e danças tradicionais.
Trata-se de uma comitiva de representantes de agências internacionais e da União Europeia, membros do Governo angolano, de organizações da sociedade civil e jornalistas, a quem vão mostrar como a ECA pode contribuir para melhorar as suas vidas.
Nos dois hectares onde aprendem e cultivam, as “alunas” semearam milho, massango e massambala (cereais locais), cebola, repolho, feijão, couve e outros produtos hortícolas, usando técnicas agrícolas que lhes permitirão, se tudo correr bem, dispor de alimentos todo o ano, deixando de depender apenas do gado, principal fonte de riqueza desta região.
A acompanhá-las, está o “professor” Eduardo Álvaro, especialista agroflorestal que desenvolve a metodologia de capacitação prática da ECA, em que os camponeses aprendem fazendo, apoiados por facilitadores provenientes da própria comunidade.
Ensinar agricultura a agricultores faz sentido, garante o especialista, sublinhando que a “planificação”, de acordo com o calendário agrícola, é uma “chave” para o sucesso da produção.
A ECA ajuda a esclarecer dúvidas no combate a doenças e pragas, ensina técnicas de preparação da terra e a plantar de acordo com o compasso (distância entre plantas e entre fileiras), introduz sementes melhoradas e tubérculos resistentes à seca como a mandioca, exemplifica.
“O agricultor precisa de uma coordenação para aumentar a sua produção, respeitando o calendário agrícola”, salienta Eduardo Álvaro, acrescentando que na ECA é possível até gerar algum excedente para vender.
Maria Luísa, de 61 anos e oito filhos, é uma das alunas, e contou à Lusa como aprendeu a diversificar as culturas que semeia, introduzindo a mandioca e a batata-doce, que apesar de serem muito comuns em Angola, não fazem tradicionalmente parte da dieta alimentar destas populações.
Afirma também que aprendeu a alimentar-se de forma diferente, mas quando lhe perguntamos o que compõe as suas refeições habituais cita quase sempre os mesmos produtos: “londi” (planta local), funge (papa de farinha e água) e feijão.
Maria Muapeletchi Limala, de 21 anos, é uma das facilitadoras da EÇA e ensina a usar os compassos e a selecionar as sementes e aprendeu a fazer queimadas controladas.
Por enquanto, vai continuar a dedicar-se à vida agrícola e à pecuária, mas diz que a fome continua a ser uma realidade.
“Ainda se passa fome, a vida é dura, as chuvas estão muito difíceis”, lamenta a jovem, afirmando que muitos dos camponeses não conseguem produzir.
Além da fome, a sede é outra das causas da vulnerabilidade destas comunidades rurais.
Na aldeia Malambi I, na comuna Bata-Bata, terra onde não se planta, não há água e os alimentos escasseiam, há pessoas que encontraram nas cisternas-calçadão uma forma de matar a sede.
A tecnologia é de implementação simples e são as próprias comunidades que constroem e gerem estas infraestruturas em forma de pirâmides. Baseiam-se em calçadas de cimento que recolhem a água das chuvas e a encaminham para reservatórios com capacidade para 52 mil litros de água, onde a água fica armazenada e vai sendo renovada para assegurar o abastecimento das famílias na época mais seca.
Maria Vina Catchoca, uma das beneficiárias deste projeto e que integra a comissão de gestão das cisternas, conta que antes era obrigada a percorrer longas distâncias para ir buscar água.
“Sais de casa às 7 horas e voltas às 12 horas com um bujão de 20 litros na cabeça e outros cinco litros na mão para não ter de repetir várias vezes a viagem”, descreve a mulher de 59 anos e mãe de sete filhos.
“Antes de termos esses tanques, tínhamos dois problemas: fome e sede, não tínhamos comida e não tínhamos água. A questão da água está resolvida, mas eu estaria a mentir se dissesse que não temos fome. Tal como nos vê, o nosso aspeto é de alguém que não se alimenta bem. Fome ainda temos, mas temos de agradecer que, pelo menos, já não temos de andar muitos quilómetros”, conforma-se Maria Vina, com a dureza da vida marcada na magreza e na pele envelhecida.
Combater a fome e a sede são os objetivos primordiais do FRESAN, programa do Governo angolano financiado pela União Europeia, que está a ser implementado pelo Camões — Instituto da Cooperação e da Língua, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o hospital espanhol Vall d’Hebron.
O programa que conta com uma dotação de 65 milhões de euros, dos quais mais de 48 milhões geridos pelo Camões, está a entrar no seu segundo ano de implementação, e prolonga-se até agosto de 2024, contando com vários parceiros angolanos e internacionais, incluindo organizações da sociedade civil e departamentos do administração central e local de Angola.
O Camões subvenciona 19 projetos orientados para a agricultura familiar e acesso à água e nutrição, através de escolas de campo, reabilitação de pontos de água e construção de cisternas e sensibilização das comunidades no âmbito da desnutrição, entre outras iniciativas.
No total, estão já implementadas 139 ECA (a meta é de 300), abrangendo 8.000 camponeses, infraestruturas de água para consumo humano que beneficiam 20.000 agregados familiares, num total de 100.000 pessoas, e 50 hectares regados com sistemas de irrigação gota a gota, com vários tipos de produção distribuídos por três províncias do sul de Angola: Huíla, Cunene e Namibe.